Cristina Kirchner, presidente argentina, que virou manchete nesses dias por ter anunciado retomada dos pagamentos da dívida externa de 6 bilhões de dólares ao Clube de Paris, suspensos desde 2002, chega ao Brasil, na semana da pátria, em meio à crise bancaria mundial, que derruba as bolsas internacionais e sinaliza recessão na Europa e Estados Unidos, perigando espraiar-se mundo afora.
Ela vem sentir a euforia brasileira com a riqueza descoberta na camada pré-sal, que guardaria reservas de 70 bilhões de barris de petróleo, para poder conferir redenção econômica e social brasileira, segundo promete o presidente Lula, mas, também, pretende fazer pressão sobre o Congresso Nacional em favor da aprovação da proposta de entrada da Venezuela no Mercosul.
Há um bloqueio a essa possibilidade, depois que o presidente venezuelano, Hugo Chavez, considerou o Congresso brasileiro papagaio de Washington. De certa forma, é, porque passou a ser governado, na Nova República, por medidas provisórias, que interessam, basicamente, aos banqueiros internacionais, em prejuízo dos interesses nacionais.
Exemplo clássico dessa subserviência continua sendo, conforme determinou o FMI, sob orientação de Washington, a forma de avaliar o ainda vigente critério de contabilidade das contas nacionais segundo o qual gastos de empresas estatais significariam déficit e não investimento, enquanto pagamento de juros representaria não despesa, mas superavit operacional. Inversão total.
O episódio Chavez-Congresso brasileiro criou resistências político- psicológico-ideológicas equivocadas, cujo desfecho foi, até agora, radicalismos, a despeito de estar em curso integração econômica entre os dois países, movimentando significativos investimentos da parte de grandes empreiteiras nacionais na Venezuela, realizando a infra-estrutura venezuelana, abastecida pela fonte financeira do petróleo.
Um dos maiores grupos empresariais brasileiros, Norberto Odebrechet, tem sua receita ampliada, atualmente, em grandes investimentos no país de Chavez, tocando obras que integrarão, futuramente, os dois países, no contexto sul-americano.
O ex-presidente , senador José Sarney(PMDB-AC), aliado do presidente Lula, é o principal desafeto de Chavez, no Congresso, onde estaria fazendo resistência contra a entrada da Venezuela, sob chavismo, no Mercosul, por considerá-lo caudilho antidemocrático. Reagiu energicamente e rompeu com o titular venezuelano-bolivariano por conta dos seus ataques ao parlamento nacional.
Chegou, por isso, a receber visita de cortesia e apoio do embaixador dos Estados Unidos, Clinfford Sobel. Logo em seguida, foi homenageado em Nova York por comunidades de lobistas anti-chavistas, propagandistas da posição anti-Chaves, abraçada pelo presidente W. Bush.
A oposição, que, por sua vez, tenta, desesperadamente , no Congresso, uma bandeira de campanha eleitoral, talvez na defesa de uma CPI dos grampos, vai fazer de tudo para azedar a vida de Chavez, a fim de impedir a materialização do apelo de Cristina Kirchner.
A titular da Casa Rosada , devedora de Chavez, que compra títulos da dívida pública argentina, para salvar o país do bloqueio financeiro internacional, certamente, não entraria em bola dividida. Lançaria bandeira supra-partidária, nacionalista e sul-americana, para pedir agilização aos congressistas no fortalecimento do Mercosul. Emplacará?
Se a tentativa de Cristina der certo, terá sido dado pontapé para união do Mercosul com a Comunidade Andina, da qual a Venezuela faz parte, traduzindo-se, naturalmente, em alto negócio para a economia de todo o oeste brasileiro, que faz fronteira com a América do Sul.
No geral, fortaleceria a União das Nações Sul-Americanas(UNASUL), que tem em seu horizonte o parlamento sul-americano, o banco central sul-americano, a moeda sul-americana, o tribunal sul-americano e defesa sul-americana.
Plataforma nacionalista
Está em jogo a ampliação do Mercosul no cenário sul-americano e possível transformação de tal expansão em plataforma política nacionalista continental, no compasso em que analistas internacionais prevêem, sem muita convicção, resistências dos países emergentes à onda recessiva que começa a ser feita a partir dos países ricos, afetados por crise de crédito. Esta, indubitavelmente, os coloca em perigos monetários e cambiais, tornando mais difícil o histórico exercício que praticaram de promover deterioração nos termos de troca nas suas relações com os países mais pobres.
Em tal contexto, o nacionalismo sul-americano avança na Venezuela, Argentina, Bolívia, Equador, Paraguai e, agora, no Brasil, na fase das descobertas petrolíferas, embalado pelo aquecimento do mercado interno, expresso no crescimento de 9% da indústria, de janeiro a julho, em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com a Confederação Nacional da Indústria(CNI).
O apelo à mobilização em defesa da riqueza brasileira e sul-americana, sob intensa observação internacional – como comprova o deslocamento da quarta frota norte-americana, desativada desde a segunda guerra mundial, pelos mares da América do Sul, nesse instante – deverá, no Brasil, ser dado no dia da Independência , 7 de setembro, a ser prestiado por Cristina Kirchner.
Seria uma resposta à manobra naval dos Estados Unidos no continente?
Não apenas o presidente Lula prepara discurso retumbante, ancorado na riqueza emergente do petróleo, que poderá trazer a rendenção econômica e social do país, mas, igualmente, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, anunciará plano de defesa nacional que visa reformar e valorizar as forças armadas.
Cristina Kirchner, portanto, chega ao país com o clima nacionalista em ascensão nas hostes governistas, embaladas pela antevisão da riqueza do petróleo e da necessidade que ela impõe em termos de fortalecimento da segurança nacional.
Seria tal clima ingrediente político que trabalharia a favor do discurso de Cristina Kirchner em seu apelo, nacionalista e sul-americano, ao Congresso por Chavez?
Dependencia argentina
Certamente, a presidente portenha deve grande favor a Chavez, salva pelo tesouro venezuelano chavista, abastecido pelas receitas do petróleo.
Não seria, apenas, isso. O peso estratégico argentino nas relações com o Brasil é poderoso e poderá falar alto na relação com o Congresso brasileiro, dado que 40% do total das exportações brasileiras se destinam à Argentina. O Mercosul, fortalecido pela entrada da Venezuela, puxaria a comunidade andina e ampliaria os propósitos estratégicos da UNASUL.
Seriam fortalecidas ainda mais as relações brasileiro-portenha. São unha e carne, apesar do futebol. Sem o consumo argentino, o deficit em contas correntes brasileiro entraria em colapso, no momento em que a moeda nacional sobrevalorizada frente ao dólar sobredesvalorizado reduz exportações e potencializa importações.
O ex-presidente Sarney ficaria em sinuca de bico. Não pode combater Chavez por entrar no Mercosul e muito menos criticar suas posições nacionalistas, porque seu principal aliado no governo Lula, ministro das Minas e Energia, senador Édson Lobão(PMDB-MA), abraçou a causa nacionalista com paixão, à moda Chavez.
O Congresso brasileiro estará diante de um desafio sul-americano na semana da pátria.
Deixará de consolidar o Mercosul, por conta de idiossincrasias políticas, atiçadas no calor das disputas ideológicas nacionalistas?
Ou pensará grande no contexto da formação de alicerces fortes para ajudar consolidar a União Sul-Americana, sinalizando interesses geoestratégicos sul-americanos no contexto globalizado?